quarta-feira, 27 de abril de 2011

Vídeo indica que promotora teve ajuda de psiquiatra para simular doença


 

Deborah Guerner é acusada de envolvimento em esquema de mensalão.
Advogados dizem que só se manifestarão após conhecer denúncia.


Do G1, em Brasília

Imagens e documentos reunidos pelo Ministério Público Federal mostram a promotora de Justiça Deborah Guerner, afastada do MP do Distrito Federal, numa suposta tentativa de utilizar a morte dos pais para simular uma doença mental. O objetivo seria escapar de punições no caso do esquema de corrupção conhecido como mensalão do DEM de Brasília, no qual ela estaria envolvida.
Materializada em 105 páginas, a documentação obtida pelo repórter da TV Globo Vladimir Netto indica que Deborah Guerner e o marido, o empresário Jorge Guerner, contaram com a ajuda do psiquiatra paulista Luis Altenfelder Silva Filho para tentar comprovar a tese de insanidade mental da promotora.
Vídeos do encontro da promotora com o psiquiatra, registrados pelo circuito interno da casa de Guerner e apreendidos com autorização da Justiça, mostram detalhes de reunião entre o casal Guerner e o psiquiatra na residência da promotora.
Por telefone, o psiquiatra informou à TV Globo que os advogados dele ainda não tiveram acesso à denúncia e que, somente depois disso, ele irá se manifestar sobre as acusações. O advogado de Deborah Guerner informou que ainda não viu as imagens e que, por isso, não pode falar sobre elas. O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo informou que abrirá sindicância para apurar o caso
Denúncia
“Após chegar à residência do casal Guerner, os denunciados Jorge, Deborah e Luis Altenfelder se encaminham diretamente para o escritório daquela residência com a finalidade de se planejar os ilícitos”, registra a denúncia elaborada pelo Ministério Público.
O encontro ocorreu entre a noite do dia 29 e a madrugada do dia 30 de agosto e teria a finalidade de preparar Guerner sobre como proceder durante a perícia médica a ser realizada em 30 de agosto de 2010 no Instituto de Medicina Legal de Brasília, diz a denúncia do Ministério Público.
São os diálogos desse encontro que revelariam a intenção do casal, preso desde a semana passada, de utilizar as mortes do pais da promotora como justificativa para a suposta insanidade mental. Na conversa, o psiquiatra orienta: “Aí, o que você faz: segura (incompreensível) meu pai é tudo pra mim... você tem que falar com espontaneidade: ‘Com o falecimento do meu pai, que era tudo pra mim’.”
O marido de Guerner, que acompanha a conversa sugere como a promotora deve descrever o pai: “E protetor, porque ela considerava ele um protetor.” A própria Guerner complementa: “Ah! Ele era ‘costa quente’ total!”.
O médico psiquiatra continua a ensinar o que Deborah Guerner deve dizer, e a própria promotora anota as orientações: “Que com o falecimento do seu pai, aí sua vida mudou! ‘Daí, minha vida mudou, tornou-se arrimo de família... Tornou-se arrimo de família… e... passou... a apresentar...’”
Deborah Guerner sugere dizer na perícia que, com a morte do pai, “perdeu o chão”. “E eu perdi o chão!” O médico concorda: “’Quando meu pai morreu, eu perdi o chão’ – você fala! ‘Que eu fiquei muito, muito, muito, triste. Perdi a alegria, pedi o domínio...’”
O marido de Guerner sugere que ela lembre a morte da mãe: “Aí a mãe vem e morre. Depois ela, aí que ela desabou! (sic).” Debora Guerner sugere: “Aí eu fiquei, hummmmmmm, muita responsabilidade, porque minha mãe nunca na vida tinha nem assinado um cheque. Muito triste e comecei a pressão da vida em cima de mim.”
Além dos diálogos, o Ministério Público Federal acusa o médico de Guerner de fornecer laudos e atestados falsos para justificar a doença e compara a análise do psiquiatra. “A fim de comprovar a suposta insanidade mental aqui relatada, a defesa da denunciada Deborah Guerner providenciou a juntada de atestado médico, relatório médico e laudo médico”, registra o MPF.
Sobre os laudos, o MPF afirma: “São categoricamente diversos do que elaborado e apresentado pela perícia judicial através de exame realizado por determinação judicial”.
Na denúncia do MPF, a promotora também é orientada a utilizar roupas extravagantes, coloridas e exibir comportamento “pavio curto”. "Posso falar eufórica?", pergunta Deborah ao psiquiatra. "Pode. Muito excitada, eufórica e com o pavio muito curto", responde o médico.
"Não tem erro, e qualquer residente de primeiro ano de psiquiatria, ouvindo você, vai falar assim: ‘essa menina é bipolar’", diz o psiquiatra.
'Pesadelos'
De acordo com a denúncia do MPF, a promotora de Justiça Deborah Guerner tinha uma lista de medicamentos e uma rotina de “pesadelos horrorosos” para relatar diante da perícia judicial.
Para convencer os peritos judiciais de que sofria de problemas mentais, a promotora teria planejado relatar problemas de saúde como “frequentes” pesadelos, “claustrofobia” e o uso de medicamentos controlados como Prozac e Zoloft utilizados no tratamento de depressão e distúrbios obsessivo-compulsivos.
O psiquiatra teria aconselhado Deborah Guerner a dizer na perícia que havia procurado ajuda de um psiquiatra de São Paulo, e que este teria receitado medicamentos.
“Aí, você estava se sentindo mal e procurou um auxílio de um psiquiatra em São Paulo, que recomendou a análise... E me medicou com? Qual o nome (incompreensível). Ah? Pode ser é... Prozac?”, perguntou o psiquiatra. “Pode”, assentiu a promotora.
Na estratégia delineada na casa da promotora e registrada nos diálogos obtidos pelo Ministério Público Federal, o psiquiatra e o casal combinam afirmar que a promotora, debilitada, passava o dia trabalhando com o marido. “Passava o dia...”, anota Guerner.
“Acompanhando o meu marido no seu trabalho, pois não conseguia ficar só em casa! Ficar sozinha em casa. Minha vida era, acompanhar o marido e ficava em terapia. E tomar remédio”, complementa o psiquiatra.
Além de dizer que tomava remédios e vivia na dependência do marido, a promotora planejou, segundo o material do MPF, dizer que tinha “medos inexplicáveis”. “Passei a sentir medos inexplicáveis”, ditou o psiquiatra para que Guener tomasse nota: “Passei... a... sentir... me-dos... i-nex-pli-cá-veis...”, escreveu ela.
“Medo de morrer ou de ficar louca... tinha que andar de avião...”,seguiu a orientando o psiquiatra. “Não conseguia... é... Tinha que andar de avião... Avião e subir elevador!”, anotou Guerner.
Ainda seguindo o psiquiatra, Guerner anotou a orientação de dizer que, devido aos problemas de saúde, sentia claustrofobia e “não conseguia andar mais de avião e permanecer num local que desse a sensação de ficar presa, como elevador, secador de cabelo de cabeleireiro”.
“Não conseguia mais nem de... estar... em... qualquer lugar... que me desse... sensação de prisão?”, questionou Deborah Guerner ao anotar. “Sensação de claustrofobia”, respondeu o médico. “Claus-tro-fo-bia. Elevador”, voltou a anotar.
Além de aviões e elevadores, a tese de doença mental supostamente criada pela promotora teria restrição a lugares como shows, cinema e sauna. “Mesmo fazendo terapia e tomando Zoloft, não melhorava. Com a terapia e a medicação não melhorava, então você resolveu procurar outro médico”, orientou o psiquiatra, para os risos de Guerner.
A promotora também planejou dizer que a doença fez com que ela e o marido adiantassem o casamento justamente por conta de “pesadelos horrorosos” que ela tinha e que faziam com que ela “acordasse gritando”.
Todos os distúrbios de Guerner teriam origem na morte dos pais e seriam atestados por laudos apresentados pelo psiquiatra e que são considerados falsos pelo Ministério Público Federal.
Processo
Deborah Guerner foi afastada em dezembro de suas funções no MP do DF. Além das ações na Justiça, ela responde a um processo disciplinar no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que pode aprovar sua demissão do serviço público. Guerner ainda recebe salário.

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