Samuel Costa/Hoje em Dia
"Participação do jovem no crime cresce 25% a cada ano", diz Rômulo Ferraz
Rômulo de Carvalho Ferraz, de 53 anos, é secretário de Estado de Defesa Social (Seds) desde março de 2012. Natural de Belo Horizonte, é graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi promotor de Justiça nas comarcas de Mesquita, Congonhas, Contagem e da capital mineira. Procurador de Justiça desde março de 2001, na entrevista a seguir ele faz um balanço da sua gestão em uma das pastas mais importantes no Estado, o crescimento e os desafios para o enfrentamento da violência e as soluções para um Brasil hoje tão estigmatizado por causa da criminalidade.
Atribuindo o aumento dos crimes ao crack, à legislação e à crescente participação do jovem, o secretário defende a união de esforços de municípios, estados e governo federal para que medidas mais eficazes sejam tomadas. Caso contrário, os índices continuarão em alta. “Não adianta município responsabilizar o Estado, o Estado passar a bola para a União. Todos devem lutar juntos”, frisou.
Na contramão do que clama a sociedade, Rômulo Ferraz afirma que a redução da maioridade penal não é a solução para frear a entrada da juventude no mundo do crime.
Que avaliação o senhor faz dos dois anos à frente da Secretaria de Estado de Defesa Social?
A integração entre as polícias Civil e Militar, instituições centenárias com culturas arraigadas, vivia um momento de dificuldade. A prioridade foi melhorar esse relacionamento. O trabalho foi feito. As questões na ponta nunca deixarão de acontecer, são muitos seres humanos envolvidos. Mas quanto melhor a integração, melhor o resultado.
A integração objetiva a redução da criminalidade. Mas nos primeiros meses deste ano, os crimes violentos cresceram cerca de 30% em Minas.
O fenômeno é nacional. No Sudeste, os crimes violentos subiram até 50% nos últimos quatro meses. Vale lembrar que a integração foi implementada em 2003 e, entre 2004 e 2010, a redução foi de 40%.
O combate à violência no Estado é eficaz?
Sim. Temos feito operações integradas entre as polícias Civil, Militar e Federal e com o Exército. Os 14 principais municípios são obrigados a fazer pelo menos uma operação Impacto por mês. São muitas prisões e apreensão de veículos roubados e de drogas.
Então, a que o senhor atribui a escalada da criminalidade por aqui?
Legislação, crack e a participação do jovem. A participação do jovem aumenta 25% ou mais a cada ano em todas as modalidades criminosas. A droga sempre teve participação no contexto da criminalidade como um todo. Mas o crack banalizou demais essa violência de varejo, com homicídio por briga ou dívida. Muitos roubam para consumir ou comercializar. É um ciclo vicioso. Grandes apreensões de droga afetam outras modalidades de crime, como explosão de caixa eletrônico, porque as organizações querem recuperar o prejuízo.
De forma geral, o poder público se mobilizou tardiamente para o enfrentamento do crack?
Sem dúvida. As políticas públicas são muito embrionárias e os resultados não efetivamente demonstrados nas esferas municipais, estaduais e federal. A questão é muito menos de repressão e mais de saúde pública. O poder público não se preparou para o grande volume de internações, que são complexas e caras. É preciso uma política mais agressiva.
A maioridade penal é possível?
É inviável a sua implementação pelas circunstâncias sociais do país. Não há espaço no parlamento nem na sociedade, embora eu acredite que 90% das pessoas queiram isso.
O que deve ser feito para punir os adolescentes infratores de maneira eficaz?
Há dois projetos no Congresso que podem ser votados rapidamente e modificam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Um é internar por oito anos o adolescente que praticar homicídio. Hoje, ele só pode ficar no sistema até completar 21 anos. O outro é internar para tratamento em casos de, por exemplo, desvio psiquiátrico.
Prestes a completar 24 anos, o ECA, segundo especialistas, ainda não foi implantado de fato. É isso mesmo?
A concepção ideal do estatuto nunca chegou a entrar em vigor. O modelo concebido para cumprimento de medidas socioeducativas no Brasil é muito próximo ao de um país europeu. São necessários R$ 15 milhões para construir uma unidade com 90 vagas pelo modelo do Sistema Nacional Socioeducativo (Sinase). Cada vaga é R$ 160 mil. Presídio já é caro e a vaga custa R$ 45 mil. Na maioria dos estados não há unidades minimamente constituídas, pois eles não dão conta de trabalhar o modelo ideal, nem nós. Optamos por gerar de 45 a 50 vagas adaptando imóveis num modelo ao custo de R$ 2,5 milhões, mas que atende minimamente ao Sinase.
Menores infratores da Grande BH estão sendo levados para Unaí, a 600 quilômetros da capital. Faltam vagas?
A demanda é muito grande e, infelizmente, tivemos que optar por isso. Não há vagas na região metropolitana. Em Betim, por exemplo, voltou a vigorar lei municipal que proíbe a construção de unidade socioeducativa. Há casos gravíssimos, como o de um menino que já matou pelo menos três. Preferimos interná-lo em Unaí a deixá-lo lá. Ia morrer ou matar de novo.
Não estão sofrendo sanção por deixar o adolescente longe da família?
Não. O Ministério Público é que nos cobra uma solução para garantir o deslocamento da família. Estamos em entendimento para viabilizá-lo.
Há previsão de mais unidades socioeducativas para este ano?
Estamos construindo cinco para 300 vagas. Vamos inaugurar uma no Vale do Aço e, em breve, em Passos (Sul), regiões que ainda não têm uma unidade sequer. Também está em construção uma em Vespasiano (Grande BH).
No governo Aécio, houve um esforço para aumentar o número de presídios. Dizia-se que, por mais que aumentasse a porta de entrada, o problema era a porta de saída, que estava emperrada por causa da demora no julgamento dos casos. Nas ruas, a população sente que há um ‘prende e solta’ por não ter onde se colocar os presos. Isso se agravou?
O prende e solta existe, mas não porque não se tem onde colocar. A legislação e o funcionamento das instituições determinam essa medida.
Como assim?
A esses indivíduos não foi conferida prioridade. Cada vara criminal tem de 10 mil a 15 mil processos, impossível de colocar isso em dia. Alguns indivíduos precisam ser priorizados porque são reincidentes.
O preso está sendo solto na delegacia?
Na maioria dos casos o flagrante é confirmado lá, mas há possibilidade de fiança e a liberdade para crimes de pequeno potencial ofensivo. Ele também pode, depois, conseguir liberdade provisória. A lei 12.403, de 2011, facilitou a soltura. Ela, combinada com outras leis e a interpretação, beneficia outros delitos.
Na capital, detido em flagrante é levado para o Centro de Remanejamento de Presos. Com o fechamento da unidade da Lagoinha, apenas a do Gameleira funciona. Isso influenciou nas vagas ofertadas?
Não. Num primeiro momento, eles são levados para o Gameleira, mas há uma rotatividade grande, e usamos presídios da Grande BH para dar vazão ao volume.
O número de detenções não foi influenciado?
Garanto que não há preocupação de parar ou diminuir as prisões por falta de vagas. Geramos vagas em outras unidades prisionais. Também temos o presídio por meio de parceria público-privada, um complexo que terá cinco unidades até o fim do ano com capacidade para 670 presos cada uma. A terceira será inaugurada em maio.
O furto das armas no paiol do Estado foi solucionado quase um mês após a ocorrência. Foi um caso complexo?
Tínhamos que esclarecer em que circunstâncias se deu o fato e recuperar as armas. O que aconteceu com os agentes já estava esclarecido, mas onde estavam as armas? Desde o início tudo levou a crer que não foi por causa de fragilidade da segurança do local.
Então sabiam que era um deles?
Seria bem difícil abater nove agentes penitenciários com armamento pesado no local. Eles tinham pistola, fuzil. Tenho um amigo famoso no Tribunal do Júri que diz o seguinte: Você coloca um gato e um passarinho numa caixa hermeticamente fechada. Quando você a abre, encontra um gato com pena na boca. O que aconteceu com o passarinho? É mais ou menos isso.
E o sentimento após o caso?
Chateado. Lutamos para ter a estrutura. Juízes estavam soltando presos porque não tínhamos como levá-los para a audiência por deficiência na escolta e viaturas sucateadas. Para resolver, compramos mais de 200 veículos e criamos as duas centrais de escolta.
Com o aperto das forças de segurança nos morros do Rio de Janeiro há risco de criminosos de lá virem para Minas?
A questão das fronteiras é importante por causa das organizações criminosas, que trabalham com tráfico de drogas mais pesado, roubo de cargas e explosão de caixas eletrônicos. Há um trabalho de inteligência com participação da Polícia Federal e por ora não há motivo para preocupação, apesar de dois casos emblemáticos recentes, o de Itamonte (Sul) e Riachinho (Noroeste). Seis estados fazem divisa conosco e assinamos termos de cooperação para trabalharmos em conjunto. Os resultados são excelentes. No primeiro trimestre deste ano, as explosões de caixa eletrônico caíram 14%. As operações Divisas Seguras, em mais de cem municípios simultaneamente, uma vez por mês, é para cercar a entrada de bandidos.
Não é jugo desigual, sabendo que as fronteiras brasileiras, principalmente com o Paraguai, são tão frágeis?
É um problema gravíssimo do sistema, não só a entrada de armas pelos países vizinhos, mas também por mar. O volume de armas apreendidas no país é impressionante. Em Minas, por ano, apreendemos cerca de 20 mil armas de todo tipo de calibre.
São muitas armas...
O volume de armas destruídas anualmente é aquém das apreensões. Hoje não precisa esperar o fim do processo para destruí-las, isso acontece em uma fase do trâmite judicial. Mas o sistema de destruição precisa ser melhorado. Há dúvidas se o controle está funcionando ou se as armas estão voltando para o “mercado”.
Belo Horizonte tem crime organizado?
Em algumas comunidades há tráfico de entorpecentes com lideranças, mas nada comparado ao Rio de Janeiro. A articulação mais organizada é no Aglomerado da Serra, mas os líderes das quatro gangues foram presos. Houve movimentação para a sucessão, mas estamos acompanhando.
Indiciado pela Corregedoria, o delegado Oliveira Santiago foi empossado chefe da Polícia Civil. Isso não tira credibilidade da Corregedoria?
Respeitamos o trabalho da Corregedoria, que é muito sério. Quando o relatório saiu, Oliveira Santiago chefiava o Detran. Tínhamos que definir se ele continuava ou não. Decidimos que ele deveria prestar esclarecimentos em público e apresentar defesa. No seu caso e das mais de cem pessoas envolvidas no processo, optamos pelo princípio da inocência. Essa mesma posição o levou à chefia da Polícia Civil. O processo agora será analisado pelo Ministério Público.
Estão preocupados com as possíveis manifestações na Copa do Mundo?
A das Confederações foi um aprendizado. Estamos nos articulando com as polícias Federal e Rodoviária Federal, o Exército, o Ministério Público e o Judiciário, e definindo medidas preventivas até a Copa. Não vamos permitir a destruição registrada no ano passado. Vamos respeitar os direitos, mas agiremos com rigor para garantir a ordem pública.
Quando se fala em rigor, se pensa em violência. É assim que a polícia agirá?
A própria polícia foi muito atacada. O que não vamos permitir é que aconteça o que aconteceu no ano passado. Não acredito em um movimento em massa este ano. A maioria dos indivíduos que enfrentaram a polícia ainda está sendo processada e monitorada por nós. Sabemos o que eles têm feito.
Qual a solução para um Brasil violento?
A União deveria ter coordenação do sistema, como na saúde e na educação. Caso contrário, continuamos enxugando gelo, os estados vão persistir com índices ruins. Tem que vir um novo texto constitucional para balizar essa questão.
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