quarta-feira, 20 de abril de 2011

Perícia vai investigar construção do presídio Baldomero Cavalcanti


 

 
Demorou quase seis anos, mas finalmente a Justiça Federal tomou uma providência concreta – a primeira e, até agora, única – em relação ao custo de construção, às falhas no projeto, aos erros de execução e à falta de segurança do presídio Baldomero Cavalcanti, em Maceió.
Em 11 de julho de 2005 foi apresentada uma Ação Civil Pública pelo Ministério Público Federal em Alagoas, contra o Estado de Alagoas e a Construtora Santa Bárbara, que executou as obras. Ela denuncia, entre outros pontos graves, um superfaturamento de 190,07% no preço da obra cobrado e recebido pela Santa Bárbara, que em 1991 venceu a licitação aberta pelo governo do Estado.
O processo ficou parado por longos períodos. Só no último dia 7 de abril – quinta-feira da semana passada –, a 4ª Vara da Justiça Federal em Alagoas fez o processo se mexer de verdade: mandou a União depositar em juízo o dinheiro para pagamento dos honorários de um perito. Isso significa que, finalmente, será feita uma perícia de engenharia para verificar se a obra oferece de fato a segurança e a salubridade com que foi alardeada na construção e na inauguração – o Baldomero foi festivamente inaugurado em 1999, mas ainda estava em obras. Só foi concluído em 2001.
A perícia técnica deverá desvendar os motivos de uma obra tão cara ser tão frágil. O Baldomero Cavalcanti custou aos cofres públicos R$ 19,5 milhões – este valor está corrigido só até 2005. O governo federal entrou com 90% dos recursos e o Estado com os 10% restantes. O dinheiro federal era repassado toda vez que o órgão estadual de fiscalização – o Serveal – atestava que a obra transcorria de acordo com o cronograma, dentro das especificações técnicas do projeto e com a empreiteira utilizando os materiais e componentes que garantiriam a solidez do presídio. A perícia de engenharia, agora autorizada pela Justiça Federal, poderá comprovar que essa fiscalização não teve rigor.
Preço de superpresídio
Para se ter uma ideia do custo absurdo do presídio alagoano frente aos seus resultados pífios, tome-se para comparação um presídio federal modelo no país, o de Presidente Bernardes (SP), este sim de segurança máxima, considerado uma fortaleza, com estrutura física e tecnológica comparada à dos presídios mais seguros do mundo. Pois o Baldomero teve praticamente o mesmo custo do superpresídio paulista – e, em alguns aspectos, foi até bem mais caro.
Segundo os dados do Ministério da Justiça, em 2005, o Baldomero apresentava o terceiro maior custo por vaga entre todos os presídios do país. E só ficava 8% abaixo do primeiro da lista, justamente o de Presidente Bernardes. O custo por metro quadrado de área construída do Baldomero foi o quinto maior do Brasil – e nesse quesito ele custou mais que o dobro de Presidente Bernardes, que sequer ficou entre os 15 mais caros, com toda a sua estrutura e tecnologia. Finalmente, no gasto total da obra, o nosso Baldomero estava em segundo lugar no país, ainda segundo o Ministério da Justiça.
Por esses e outros dados, e depois de feitos os cálculos, fica mais fácil entender por que o Ministério Público Federal denuncia os 190,07% de superfaturamento.
As fugas e o orelhão
A Ação Civil Pública foi apresentada pelo procurador da República Delson Lyra da Fonseca, que se aposentou naquele mesmo ano, depois de uma carreira reconhecidamente brilhante e respeitada. Em 17 páginas, o procurador pôs a nu uma realidade que a opinião pública de Alagoas já conhecia ou desconfiava pelos sintomas graves – principalmente as fugas fáceis e frequentes, isoladas ou em massa de presos do Baldomero. Só até 2005, já se acumulavam mais de 100 fugas de diversos tipos, para todos os gostos. Fugia-se por túneis cavados com espantosa facilidade, ou mesmo usando as próprias redes de tubulação subterrânea – a obra parecia ter sido projetada para facilitar a vida de quem queria ir embora dali. Fugia-se com prosaicas puladas de muro, serrando grades de celas e usando a “teresa” para escapulir. Ou fugia-se simplesmente pelo portão da frente, misturando-se às famílias de presos em dias de visita, graças às falhas na segurança interna ou à colaboração de agentes públicos subornados.
Com as fugas se multiplicando, o Baldomero foi se tornando folclórico. Virou, na boca do povo, o “Balneário Cavalcanti”, onde criminosos se hospedavam, passavam férias e, quando queriam ir embora, pediam a conta e partiam sem se despedir. Um juiz de execuções penais chegou ao ponto de declarar à imprensa, com todas as letras, que só permanecia preso no Baldomero quem precisava ficar ali, seja porque já estava no fim da pena ou porque não tinha como sobreviver lá fora. “Quem quer fugir do Baldomero Cavalcanti, foge. Só não foge quem não quer”, resumiu o magistrado. O Baldomero, que deveria ser motivo de orgulho, passou a ser fonte de constrangimento.
Além das fugas, houve rebeliões, a pretexto das más condições a que são submetidos os presos, o que também é denunciado na Ação Civil Pública por Delson Lyra.
Segurança, quando havia no Baldomero, era pelo inverso, ou seja, era mordomia de presidiário poderoso. Exemplo disso foi o ex-tenente-coronel Manoel Francisco Cavalcante. Em pelo menos uma das suas estadias no presídio alagoano, o ex-chefão da Gangue Fardada ocupava um módulo inteiro. Tinha à sua disposição um telefone público exclusivo – e telefonista de plantão. Jornalistas que tinham acesso ao número do orelhão ligavam, o telefonista (tipo “ajudante de ordens”, geralmente um militar preso da confiança do chefe) atendia, perguntava “quem deseja”, mandava esperar e, se Cavalcante estivesse disposto, atendia e dava a entrevista. Assim era o Baldomero.
Em vez de concreto, tijolo
A construção do presídio Baldomero Cavalcanti demorou dez anos. Houve longos períodos em que a obra ficou parada. Ela atravessou quatro governos: os de Geraldo Bulhões (1991-1994), Divaldo Suruagy (1995-1997), Manoel Gomes de Barros (1997-1998) e o primeiro de Ronaldo Lessa (1999-2002). O prédio foi inaugurado em fevereiro de 1999, logo no início do governo Lessa, e em seguida recebeu seus primeiros presos – mas não estava pronto. Só foi dado como concluído, e novamente inaugurado, em 2001. Dizia-se que Alagoas “agora tem um presídio de segurança máxima, equiparado aos melhores do país”. Não foi preciso muito tempo para que as falhas no projeto e na execução se tornassem gritantes. Na petição inicial, o procurador Delson Lyra as qualifica como “intoleráveis”. No papel, o Baldomero era sólido. Na vida real, era areia. “Os mecanismos físicos de prevenção a fugas e rebeliões são de insegurança tamanha que motivam piadas no seio popular”, diz o procurador no documento de 2005.
Uma inspeção técnica feita pelo CREA-AL, por determinação do Ministério Público Federal, revelou, por exemplo, que as paredes que separam as celas, ao invés de concreto, foram feitas de alvenaria, com singelos tijolos de seis furos e reboco simples. Ao longo das muralhas, o projeto previa oito guaritas; só quatro foram construídas. Itens de segurança como o “portão de correr”, a grade metálica de guarita e parlatório, e até luminárias externas, todos existentes no projeto, nunca foram construidos ou instalados. Mas foram cobrados.
Aliás, o CREA constatou a “descoincidência da realidade física com a planta do presídio, projetado para ser de segurança máxima”. Ou seja, trata-se de uma obra viciada desde a planta.
As principais conclusões do CREA foram: a obra não foi executada de acordo com as especificações do projeto; foram empregados materiais diferentes dos previstos no projeto; serviços projetados e cobrados não foram efetuados; e principalmente: confrontando-se os preços apresentados pela Santa Bárbara com os praticados na época pelo mercado em Alagoas, houve um superfaturamento de 190,07% no custo da obra.
Celeridade já
Na Ação Civil Pública, o MPF pede que o Estado e a Santa Bárbara sejam responsabilizados e que a construtora realize, sem mais despesas para os cofres públicos, as obras que foram pagas e não executadas, que substitua os materiais que usou abaixo da qualidade estabelecida e que “realize reformas ou novas construções para adequar as estruturas originariamente deficientes”.
Nas 250 páginas de sua defesa, a Santa Bárbara contesta os argumentos do MPF e afirma que a obra foi executada conforme os projetos e os pagamentos se deram “rigorosamente de acordo com as disposições contratuais e legais”, contrapondo todo o laudo pericial. A empresa atribui à “falta de manutenção e à operação com pessoal despreparado” o estado a que chegou o presídio.
Já o Estado disse, na época, que a obra do Baldomero já veio formatada pelo Ministério da Justiça e que o governo apenas a executou dentro do cronograma. Alegou também que a prestação de contas encaminhada pelo Estado ao Ministério foi aprovada.
Nesta semana, o governo do Estado anunciou a construção de um módulo de segurança máxima no Baldomero, com recursos próprios, ao custo de R$ 2,5 milhões. Se a Justiça atuar com menos lerdeza, talvez o Estado não precise gastar esse dinheiro. A empreiteira que construiu o Baldomero poderá ser obrigada a consertar o serviço que fez.
Esses quase seis anos desde que a ação do MPF foi apresentada foram gastos em idas e vindas ditadas falta de diligência dos responsáveis e pelos entraves formais do processo. Depois de vários anos de paralisia, o juiz federal Sérgio de Abreu, da 4ª Vara, ordenou celeridade, com base em resolução do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
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